Nesta ocasião, a leitura da Parashat Emor (Lev. 21 a 24) me inundou de sentimentos contraditórios. 
Ao mesmo tempo em que se apresenta como um código de ética, estabelece sentenças de morte por razões tão vis, que me fizeram questionar o senso de justiça do legislador. 

Acaso a prostituta, filha de sacerdote, deve ser queimada no fogo por causa da profanação à honra do seu pai? (21:9)

Acaso a pessoa com deficiência deve ser excluída do acesso a determinados lugares privilegiados, sob a justificativa de que o seu ‘defeito’ profana a sacralidade do local? (21:23)

Acaso a pessoa que professa uma fé diferente da minha deva ser apedrejada, como se ensinou em relação ao filho da israelita com o egípcio? (24:14)

Ao mesmo tempo, esta porção semanal fala sobre:

A responsabilização do sacerdote em dar a comer, da mesma comida que o serve, a todos os que estão sob a sua tutela, ainda que seja seu escravo ou o filho da escrava (22:11-12);

O compromisso do agricultor/produtor em reservar parte da sua produção para alimentar o pobre e o peregrino (23:22).

É contraditório que a mesma passagem que fala de relações desiguais para com os desiguais, estabeleça uma sentença pela lei do talião, uma sentença baseada na igualdade da pena, que leva em conta unicamente os efeitos do ato, ignorando as condições desiguais que o geraram. 

“Olho por olho, dente por dente”, a expressão atribuída a Deus na interpretação de Moisés, se contrapõe à sua paródia, atribuída a Mahatma Gandhi: “olho por olho, e o mundo acabará cego”.

Em lugar de refutar o que o texto bíblico me diz, devido às contradições que citei anteriormente, prefiro pensar que o seu conjunto expressa outro tipo de intertextualidade, que não apenas a paródia. Leio a Parashat Emor como um caso exemplar de paráfrase com Devarim 30:19: “Tomo hoje os céus e a terra por testemunhas contra vós, que tenho dado perante de vós a vida e a morte, a bênção e a maldição; escolherás pois a vida…”.

Os trechos que exprimem a morte (da prostituta pelo fogo, da pessoa com deficiência pela exclusão e do professante de outra fé por apedrejamento) não devem ser escolhidos como nosso guia de relações interpessoais. Antes, porém, devemos escolher os trechos que também foram colocados diante de nós, mas que exalam vida (a responsabilidade para com aqueles que estão em uma posição hierarquicamente inferior à minha, compartilhando com eles o mesmo alimento da minha mesa; o compromisso com fazer justiça social para com o necessitado e com quem não se encontra sob a proteção de um teto que possa chamar de seu).

Escolhe a vida!

Kelita Cohen é psicóloga, doutora em processos de desenvolvimento humano e saúde pela Universidade de Brasília (UnB) e estudante de rabinato no Instituto Ibero-americano de Formação Rabínica Reformista (IIFRR), além de integrar a Comissão Religiosa da ACIB.

Imagem de Gerd Altmann por Pixabay

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