Texto escrito por Alexander Markel
A Luz que se Volta para a Frente
“Fala a Aharon e dize-lhe: Quando acenderes as lâmpadas, as sete lâmpadas
iluminarão à frente da Menorá.” Bamidbar 8:2
Este versículo enigmático, que abre a Parashá Behaalotechá, está repleto de profundidade simbólica e espiritual.
Perguntas:
Por que a Torah especifica que as sete lâmpadas da Menorá devem “iluminar à frente dela”?
O que essa instrução técnica revela sobre a espiritualidade judaica, a função da luz e o papel da liderança espiritual?
A resposta a essa pergunta conduz a um fascinante encontro entre a halachá, o midrash, a mística e o pensamento chassídico. Abaixo exploramos como diferentes fontes judaicas explicam e ampliam o sentido deste passuk (versículo).
A Lâmpada que Testemunha: Leitura Talmúdica
A Guemará em Shabat 22b fornece a primeira camada de compreensão. Ela afirma que a Menorá era um testemunho contínuo de que a presença divina — a Shechiná — habitava entre o povo de Israel. O sinal mais evidente era o milagre constante da ner maaravi, a lâmpada ocidental, que queimava por mais tempo do que as outras, mesmo com a mesma quantidade de azeite.
O Talmud vê esse fenômeno não como simples efeito físico, mas como um testemunho da providência divina atuando de modo contínuo dentro da realidade natural. A instrução de que todas as luzes “iluminem à frente da Menorá” é interpretada como um gesto ritual que reforça esse centro sagrado
— todas as chamas se curvam simbolicamente ao milagre central, à lâmpada que não se apaga, à chama de D’us.
Já a Guemará em Menachot 86b acrescenta um dado técnico com implicações simbólicas: as lâmpadas eram inclinadas em direção ao braço central da Menorá. A luz das extremidades não se expandia em direções opostas, mas convergia para o centro. Essa imagem transmite a ideia de que a multiplicidade deve estar a serviço da unidade — diversas luzes voltadas a um só propósito, assim como diferentes partes do povo devem se voltar à fonte divina.
O Midrash: A Prática como Reflexo Espiritual
O Midrash Bamidbar Rabbah 15:5 ecoa essa ideia, afirmando que o posicionamento das luzes ensina que “todas as ações do homem devem estar voltadas para o Santo, bendito seja Ele“. Ou seja, a Menorá não apenas ilumina fisicamente — ela simboliza o ideal ético de uma vida com direção e sentido.
No mundo prático, o midrash nos convida a perguntar: para onde estão voltadas as minhas ações? Estou disperso em muitas direções contraditórias, ou todos os meus atos, talentos e emoções se organizam em torno de um propósito central?
A Menorá no Zohar: Luzes das Sefirot
A Cabala dá à Menorá uma interpretação ainda mais rica. No Zohar (III, 148b), as sete lâmpadas são associadas diretamente às sete sefirot emocionais:
Chessed (bondade), Guevurá (rigor), Tiferet (harmonia), Netzach (perseverança), Hod (humildade), Yesod (conexão) e Malchut (expressão).
Todas essas sefirot são aspectos do ser humano e também da estrutura cósmica.
No pensamento místico, a Menorá é um mapa da alma e do cosmos. Cada chama representa uma qualidade espiritual, e todas essas devem se orientar para o “pnei hamenorah” — o “rosto” ou essência divina, que o Zohar identifica com a sefirá de Tiferet, o coração do sistema.
O Zohar ensina ainda que a luz da Menorá não é apenas visível — é espiritual, um fluxo de energia sagrada que desce dos mundos superiores e ilumina o mundo inferior. Quando todas as sefirot estão harmonizadas, a luz divina se manifesta plenamente.
Chassidismo: Acender a Alma do Outro
Na tradição chassídica, o versículo é reinterpretado como uma metáfora do relacionamento entre o líder espiritual e o povo. O verbo usado — “behaalotechá” — significa “fazer subir” e não apenas “acender”.
A função do kohen, como Aharon, é fazer com que cada chama (isto é, cada alma judaica) se eleve por si mesma, sem depender de fontes externas. O verdadeiro educador é aquele que acende os outros até que se tornem luzes autônomas. E acender “à frente da Menorá” implica dar direção à chama —
não basta iluminar, é preciso que essa luz vá para algum lugar, que conduza à retidão e à transformação do mundo.
O Sefat Emet, mestre chassídico da dinastia de Gur, também comenta que a diversidade das luzes representa a multiplicidade das almas e talentos individuais. Porém, a beleza da Menorá reside no fato de que, apesar da diferença, todas convergem ao centro — o serviço divino comum, o propósito coletivo de santificar o mundo.
Or HaChaim: Luzes como Almas
O Or HaChaim HaKadosh, comentando esse versículo, vê as lâmpadas como representações das almas de Israel. Cada luz é uma neshamá com brilho e trajetória próprios, mas todas devem estar orientadas para o centro — o divino.
Segundo ele, o texto enfatiza “el mul pnei hamenorah” para ensinar que a direção da luz é mais importante do que sua intensidade. Uma vida bem iluminada, mas voltada para si mesma, pode ser vaidosa ou egoísta. Já uma luz menor, voltada ao divino e ao coletivo, transforma-se em farol.
Aspectos finais: Luz com Direção
A Parashá Behaalotechá começa com um mandamento aparentemente técnico sobre a iluminação da Menorá, mas por trás dele esconde-se um ensinamento espiritual profundo: não basta acender — é preciso acender com propósito.
A luz deve ser voltada para frente, para o centro, para o bem coletivo, para D’us.
Na Halachá, no Midrash, na Cabala e no Chassidismo, essa luz simboliza o papel do líder, do educador e de cada indivíduo. A Menorá nos convida a perguntar: Para onde está voltada a minha luz? O que eu ilumino no mundo?