Texto escrito por Mathias Bloch
Ironicamente a parashá chamada “A vida de Sarah” inicia tratando se sua morte, e faz questão de iniciar de uma maneira bastante incomum, no hebraico diz que:
“A vida de Sarah foram 100 anos, e 20 anos e 7 anos, esses são os anos da vida de Sarah.”
Por qual motivo a Torá faz questão de separar 100, 20 e 7, e não escreve direto 127 (como está em diversas traduções)? Rashi deixa claro que a separação demonstra o fato de que ela teria a sabedoria de uma anciã de 100 anos, ainda era bela como se tivesse 20 e mantinha a inocência dos 7 anos.
Perfeitamente, sabemos que Sarah era uma grande profetiza, ao ponto de D’us falar para Avraham que ele “deveria dar ouvidos à esposa”. Mas temos um problema com essa explicação, que surge no capítulo seguinte, que também separa os anos de Yishmael – filho de Avraham com Hagar – em 100, 30 e 7. Como isso seria possível, uma vez que os nossos Sábios deixam claro que Yishmael era uma pessoa ruim?
A Gemará em Bava Batra – página 16a – relata que ele era sim uma pessoa ruim, mas que se arrependeu ao final da vida. O que não seria o caso de se assemelhar à Sarah completamente, mas que há algo em comum.
O Rav Chaim Elazari – no seu livro Mesilot Chayim – sugere que aquele que é mal sua vida toda e se arrepende pode ser sim considerado um indivíduo que viveu adequadamente, da perspectiva da Torá um indivíduo não é um mero conjunto de experiências e ações, mas sim uma progressão. Para onde vamos? Onde queremos chegar? Importante notar que não é uma questão de “os fins justificam os meios”, mas sim a busca pela verdade.
Se um indivíduo aprende com seus erros e falhas, usando-as para o próprio aprendizado e busca a mudança e avanço da sua espiritualidade e moralidade, de forma retroativa, ele tem a capacidade de transformar o mal em bem. Erros cometidos não devem ser a definição de ninguém para o resto da vida, e – a depender do erro – não precisam permanecer como manchas na memória.
Porém, o processo de teshuvá (arrependimento), onde realmente aprendemos e crescemos a partir das falhas, não é simples. Mas é tão poderoso que é capaz de converter momentos de vergonha em momentos de crescimento inestimável. Podendo, inclusive, afetar pessoas consideradas más pela Torá, como é o caso de Yishmael. Rashi fala, sobre Sarah, que seus anos são “igualmente bons”. Como Yishmael fez teshuvá verdadeira, seus anos de erro foram transformados em anos de virtude.
No seu livro, Rav Elazari cita uma história sobre um homem idoso, que foi abordado por outra pessoa e questionado quanto à sua idade. Ele responde que tinha 28 anos, deixando àquele que o questionou incrédulo. Obviamente o outro demonstra sua descrença e recebe a seguinte explicação: O idoso diz que foi um delinquente por boa parte da sua vida, e só quando chegou aos 50 anos ele conseguiu mudar sua vida e passou a comportar-se de forma nobre e virtuosa. Sendo assim ele só começou a viver de fato aos 50, e agora com 78, pode dizer que viveu por apenas 28 anos.
Deve ficar claro que não é o ideal viver dessa forma, anos cometendo crimes ou sendo mal para tentar se arrepender depois, uma vez que quanto mais erros, mais complexo e doloroso será o processo de teshuvá. Mas que mesmo que a maior parte da vida até agora seja composta por erros, é possível “dar a volta por cima”.
Devemos nos ver agora como um produto de tudo que fizemos no passado – seja certo ou errado – mas a vida deve ser a busca pelo aprender com os erros e falhas, e usar tudo isso como um catalizador para o crescimento interior e mudança positiva. Se conseguirmos fazer isso poderemos dizer o mesmo – sobre nós – que Rashi disse sobre Sarah: “Nossos anos foram igualmente bons“, transformando todos os estágios da vida em bem, que contribuíram diferentemente para um indivíduo melhor e que continua buscando o crescimento.
Isso é simples? Não. Mas a Torá, ao comparar Sarah com Yishmael, mostra que é possível e que é um objetivo da vida, sempre.