Texto escrito por Mathias Bloch

A parashá dessa semana é emblemática por conter vários assuntos discutidos com muita frequência, desde a visita aos doentes – por parte de D’us para Avraham – até entregar tudo que temos e desejamos para o Criador, se isso for exigido, como o caso do sacrifício de Yitzchak. Portanto a parashá demonstra várias formas de nos relacionarmos entre nós e com D’us.

Logo no início nos deparamos com Avraham pós brit milá (circuncisão), o Talmud – em Bava Metzia 86b – relata que era o terceiro dia após a cirurgia, relatando para nós algo que aqueles que passam pelo procedimento na vida adulta sentem: o pior dia, muitas vezes com febre e com a maior quantidade de dor e desconforto. E os anjos presenciam Avraham trocando seu curativo e decidem dar meia volta para retornar em outro momento. Mas ao levantar sua cabeça, o Patriarca vê três viajantes indo embora, e corre atrás deles, mesmo diante das suas dificuldades.

Ao alcançá-los, Avraham diz: “Por favor, não passem pelo seu servo”, indicando que eles talvez não quisessem ficar com ele. Mas a Gemará deixa claro que a intenção dos anjos era não incomodar, e que provavelmente voltariam depois, mas mesmo assim, Avraham queria recebê-los, chegando ao ponto de implorar para ficarem.

Essa descrição da Gemará nos mostra não apenas a dedicação à midá de Chessed (bondade) e de hospitalidade por parte de Avraham, mas nos fala também muito sobre buscar aquilo que deve ser feito, ou seja, a ambição na busca pelo bem e pela verdade.
Mesmo em um momento de fragilidade, no qual seria simples deixar para depois, já que eles já estavam seguindo outro caminho.

Muitas vezes o ser humano se depara com alguma obrigação – como a reza em determinado horário, por exemplo – e qualquer demonstração de dificuldade vira motivo para racionalização, que justifica completamente uma falha ou uma falta. Muitas vezes a busca por um motivo para não realizar uma obrigação, por menor que seja a tarefa, é um esforço intelectual e temporal muito maior do que a tarefa em si.

Avraham nos faz pensar que, independentemente da idade e da dificuldade, se quisermos fazer, podemos fazer. Lembro-me de um cartoon presente na sala do meu pai, que no primeiro quadro mostrava um bebê no chão, olhando para o topo de uma coluna mais alta que ele, com um aparente desejo de subir. No segundo quadrinho temos o mesmo bebê tentando subir, seguido da cena dele caindo, finalizando com uma cena com o bebê no topo, feliz da vida e uma frase simples, mas clara: “Quem ousa, consegue”. A sugestão é semelhante àquela sugerida pela parashá: que o ato de racionalizar algo torna-a impossível para aquele que racionaliza.

É importante diferenciar o extremo de nunca pensar em nada, não é essa a questão. Avraham com certeza estava com a cabeça a mil quando iniciou a caminhada para sacrificar Yitzchak, mas mesmo assim a parashá fala que ele levantou cedo para se arrumar e iniciar a missão. Mas seus pensamentos não buscavam uma razão para não fazer, mas para tentar entender o que estava acontecendo e o que ele deveria fazer, assim como no caso da Brit Milá.

A busca pelo entendimento de ações ou reações faz parte da nossa natureza humana, fomos criados para isso, criados para questionar. Mas cada um de nós ainda tem uma missão que deve ser cumprida, por nós, e não por outros.

Ao receber a Torá no Sinai, o povo responde ao chamado de D’us com a famosa frase: “Naasê veNishmá“, ou “Faremos e ouviremos”. Como é possível fazer algo antes de ouvir o que deve ser feito? Uma das sugestões é que devemos fazer antes e depois entender como foi possível realizar tal ato, nada é impossível. O conceito geral de fé – emuná, em hebraico – vem dessa frase: sabemos que é o correto, e tentar buscar formas de ignorar esse fato não é a conduta adequada.